quarta-feira, 27 de abril de 2011

Dia das mães

  Nº 61                                 Águas Claras - Taguatinga/DF


Dia das mães – bem mais do que um presente
William César de Andrade

Desde a antiguidade mais remota há registros de celebrações e festas a deusas grávidas ou tidas como mães. Pequenas estatuetas indicam no oriente antigo a presença de deusas da fertilidade. Gregos e romanos também tinham suas deusas mães, para os primeiros havia Reia, a mãe de todos os seres, e em Roma as homenagens eram feitas a Cibele – mãe dos deuses.
         É evidente que nestes cultos estão colocados alguns dos valores que  marcavam o mundo patriarcal de então. As mulheres no dia a dia não tinham poder ou participação nas decisões políticas, mas eram elas que geravam os filhos de que tanto a sociedade necessitava. Homenagear a maternidade era assegurar simbolicamente a continuidade da própria sociedade e, manter as mulheres no lugar que lhes fora socialmente atribuído.
         Na cultura judaica, nos tempos bíblicos, não era muito diferente. A fertilidade não era um atributo feminino, de fato o homem é que possuía esse dom, contudo dependia da mulher ter as condições de acolher e conservar em seu corpo a criança. Esta perspectiva explica porque a esterilidade só poderia ser atribuída à mulher.
         No cristianismo as vertentes culturais gregas, romanas e judaicas se mesclaram em vários aspectos, mas não houve mudanças significativas no lugar da mulher na família e na sociedade. Os discursos e práticas mais libertárias de Jesus, que inclusive abriu possibilidades de um amplo discipulado ás mulheres (a narrativa de Marta e Maria assim o expressa), não foi seguido pelas primeiras comunidades. Em menos de 50 anos os códigos familiares e domésticos que regiam o mundo greco-romano também se faziam presentes nas casas e igrejas dos cristãos.
         Por quase dois mil anos os principais papeis sociais relacionados às mulheres, considerando-se o Ocidente, estiveram relacionados ao lar e ao cuidado com os filhos, ficando aos homens os papeis de atuação pública e a condição de provedor de recursos e meios de vida para a família. Assim, não é estranho que várias devoções a Nossa Senhora e algumas santas tenham por eixo o parto (N. S. do Bom Parto, N. S. da Conceição), os sofrimentos e os medos presentes muitas vezes numa gravidez (N. S. das Dores).
         Entretanto, é preciso salientar que desde o século XVI as mulheres foram agregando a seus afazeres outras ações, pois além de ajudar ao marido/pai/irmão/filho na agricultura, agora também estavam presentes no comércio e nas artes. Há que se considerar também o enorme número de viúvas e de famílias destroçadas pelas guerras que varriam de tempos em tempos a Europa.
Sempre existiram mulheres que fizeram a diferença, que tiveram uma presença pública, tais como rainhas, abadessas, esposas de nobres, artistas de teatro, santas doutoras da igreja (Teresa D’Avila). É com o mundo capitalista que novas brechas irão surgindo, principalmente a partir do crescimento das cidades, profundas mudanças na ordem econômica e política. Um dos principais símbolos da Revolução Francesa é uma mulher que faz parte da luta ao invés de ficar em casa.
A revolução industrial também modificou na prática a vida das famílias e com isso os papeis atribuídos às mulheres. Crianças e mulheres eram também mão de obra nas minas e nas fábricas, compondo com os homens o rendimento familiar. No decorrer dos séculos XVIII e XIX a exploração ultrapassa os limites do humano, seja pelas horas de trabalho (até 18 horas), pelas péssimas condições de trabalho e moradia, seja pela morte prematura dos trabalhadores. É nestas condições de degradação da vida e das relações humanas em geral, que surgem os movimentos de trabalhadores e trabalhadoras por direitos sociais, econômicos e políticos. Os atuais dias internacionais do trabalho e da mulher evocam essas situações de luta e resistência em prol da vida.
As mulheres conseguem ingressar no espaço da cidadania, pouco a pouco conquistam direitos ao voto e a representação política, bem como o acesso ao estudo e às universidades. Mas isso não significou o fim dos papeis tradicionalmente atribuídos (o cuidado do lar e dos filhos) ou uma efetiva reformulação dos valores e instituições sociais. No decorrer do século XX esse processo se intensifica e a mulher cada vez mais entrará nos espaços que até então eram tidos como masculinos.
Enquanto as mulheres avançam em todos os campos sociais e com isso desmontam a cultura patriarcal e centrada no gênero masculino (androcentrica), surgem movimentos de reafirmação de seu papel tradicional (do lar e geradora/cuidadora de filhos) e tentativas de manutenção da desigualdade social entre homens e mulheres. O dia das mães, no formato como existe hoje, surgiu em meio a essas contradições.
No 2º domingo do mês de maio, desde 1932, no Brasil comemora-se o dia das mães. Mas essa não é uma ‘invenção’ brasileira, de fato ela já fazia parte da cultura inglesa (desde o século XVII existia um domingo das mães) e em 1914 tornou-se lei nos Estados Unidos.
        
O que motivava a criação desta data?
Anna Jarwis em 1904 defendeu a idéia de que se devia fazer uma homenagem às mulheres que foram fortes, durante a guerra civil norte-americana, dentre elas sua mãe. Nesta guerra muitos morreram e os conflitos chegaram a atingir as próprias famílias.  Em sua origem esse dia era para celebrar esta capacidade de amar, resistir e apesar de todos os sofrimentos manter viva a esperança de que a vida é o maior dom que Deus nos deu.
Poucos anos depois que o dia das mães foi instituído nos Estados Unidos  (em 1923) a própria Anna Jarwis denunciou o uso mercantil da data. O comércio estimulava a compra de presentes e a organização de festividades, a tal ponto que o eixo da homenagem acabava esquecido. É fato que o mesmo ocorre hoje em dia com o ‘dia da criança’, com o ‘dia de ação de graças’, com o ‘Natal’!

Feito esse caminho histórico podemos tirar duas grandes conclusões:
1) As mulheres e os homens ao celebrarem a maternidade estão simbolicamente falando da vida e dos desafios para se viver num mundo de igualdade e verdadeira fraternidade. No dia das mães, fica o apelo à construção da justiça - como as mães da Praça de Maio sempre clamaram na Argentina. Também é preciso superar toda forma de violência doméstica, principalmente aquela que nasce de traumas e frustrações masculinas, tal como nos lembra a Lei Maria da Penha. Enfim é preciso reafirmar a defesa da vida de nossas crianças e de tudo o que é belo e bom. Neste sentido cabem gestos de carinho, momentos de ternura e até mesmo alguns presentes.
2) Existem contradições em nossa sociedade no que tange ao lugar das mulheres e aos papeis sociais que elas devem desempenhar. Há grupos que desejam que elas retornem ao lar e às suas antigas atribuições, e estes muitas vezes se utilizam até de argumentos religiosos para propor esse caminho. Outros  grupos, e nos parece que são a maioria, acreditam que a igualdade fundamental entre homens e mulheres precisa ser efetivamente estabelecida em todos os campos da vida social e, que ainda há muito a ser conquistado  para que a plenitude do humano esteja expressa em nossa cultura.

Viva o dia das mães!

Acredite que maternidade e paternidade são parcelas de nossa condição humana e precisam estar integradas à totalidade do que somos. Sonhe com uma humanidade em que não haja mais as mães dolorosas dos filhos e maridos que lhes foram tirados pela violência, miséria ou qualquer outra forma de opressão.


Acesse o sítio do projeto celebrações e reflexões para leitura dos textos anteriores: http://www.pcr.ucb.br/

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